quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ÁLBUM DE FAMÍLIA

Parece um desenho inacabado. Mas nós também estamos inacabados. (O Fernando Pessoa era tão inacabado que inventou outros nomes, outros poetas, outros poemas...).


A Cláudia é pequena mas um dia será grande e quando for grande terá no seu corpo a Cláudia pequena, e na sua alma grande a alma pequena e uma serpente, porque a serpente ondula quando vai pela colina do sol, as raparigas são feitas de ondas, andam onduladas, com os cabelos ondulados.
Gosto da Cláudia, pronto. Um domingo emprestou-me um cachecol verde. Os cachecóis são unissexo.



Este  é um ÁLBUM DE FAMÍLIA que sempre lembramos. De Jorge Listopad, com desenhos de José de Guimarães, foi editado pelas Edições Afrontamento, em 1988.


À primeira vista pode parecer uma família estranha. Pai,  mãe, irmãos, tios, primos, tia-avó, amigos, vizinhos, conhecidos, um cão e até um anjo, embora de folga...


Pouco tradicional? A família não é isso? Dela não fazem parte os que estão próximos, com quem partilhamos os dias e os afectos? Os  que ficam para sempre na alma pequena que guardamos dentro da alma grande? 


Num tempo em que muitos teimam em ignorar que os afectos são os mais sólidos dos alicerces, deixamos a sugestão de uma leitura partilhada com os mais pequenos. Construam  um álbum próprio e talvez se surpreendam...


Não sei se já deram conta de que os rapazes e os homens destas imagens imaginadas têm todos uma pilinha e duas coisinhas... As raparigas ou as mulheres destas imagens imaginadas têm outra coisa, ou então não se vê nada.
Não é necessário falar disto, mas também não é nenhuma grande vergonha nem pouca vergonha. Por exemplo, mais importante será saber quem é este fulano da página aqui ao lado.


O meu pai é tímido e valente. É nervoso e não é: sabe rir. É justo e ganha dinheiro. Quer saber as minhas notas e não ficou furioso por causa da fraca que tive em matemática.
O meu pai tem um livro de cheques. E não quis dizer-me por quem votou nas eleições. - O voto é secreto, e tu, aprende o segredo! - disse ele.


Voam as andorinhas, é Verão. Voam libélulas, tão transparentes como a palavra libélula, voam rente ao ribeiro, são férias.Voa o vento, voa a música, voa o anjo, voa o grito desde o alto desta montanha até à outra montanha e constrói uma ponte por cima do vale, voa a luz de Agosto através das folhas das árvores (e faz manchas claras no chão), e eu... 
E eu, que não conheces pelo nome, eu também voo em sonhos. (...) Quem não sonha e não voa não é teu amigo.
Queres voar comigo?


Conheci um senhor, ou uma senhora, que dizia:
- Tudo o que invento, é verdade.
Eu já não quero inventar nada. Nada de nada. Quero acabar. Fechar o livro. Ouvir música, ir para a rua, andar de skate. Só um momento, clic!, a última imagem, vês, já está pronta.
O resto é contigo. Tudo é contigo.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

bichos, bichinhos e bicharocos


Até apetece perguntar o que pode um livro ter
Para encantar várias gerações,
E por mais de sessenta anos sobreviver
Com os mesmos bichos, grilos e grilões?


Escrito por Sidónio Muralha, ilustrado pelo jovem Júlio Pomar (então com 23 anos) e com adaptação musical de Francine Benoit, o livro conheceu a sua primeira edição em 1949.


Há um bichinho de conta que conta que um sapo sapinho, que até era doutor, ficou com a cabeça tonta! Um papagaio que é membro da academia da ilustre bicharada, por ser mestre em banzé, um pato marreco, grande malandreco que engole tudo o que tem ao pé, um cãozinho que cabe na mão e ainda os macacos dos cacos (ou os cacos dos macacos). De trás para a frente,  tudo isto e muito mais, sabiam avós e pais!


E talvez por isso,  bichos, bichinhos e bicharocos, ainda que privados da parte musical, viram-se reeditados em 1977.


E a menina que via a estrelinha todas as noites a passear... certamente na rua das violetas, onde morava a joaninha do vestido de bolinhas pretas... volta a encantar.


Poemas de bichos simples, toleirões, pedantes ou ignorantes...tudo muito actual! Num fantástico jogo de palavras quase sempre rimado, são, afinal, como todos nós, que os sabemos de cor e salteado!


Talvez seja esse o segredo de bichos, bichinhos e bicharocos, recentemente reeditado (com os três poemas musicados por Francine Benoit a poderem ser ouvidos pela primeira vez em CD) pela mão da Editora Althum. 


Bichinho de conta
conta...
E o bichinho de conta
contou.


sábado, 11 de maio de 2013

A Que Sabe A Lua?


A Que Sabe A Lua, de Michael Grejniec, editado entre nós, em 2002, pela Kalandraka, é um álbum agregador da grande maioria dos elementos que podem conferir a um livro o rótulo de imperdível
Portador de uma simbiose perfeita entre a narrativa verbal e a narrativa visual,  de forma simples e encantatória, desperta e aguça a curiosidade de pequenos e grandes leitores do princípio ao fim.
O recurso a personagens do reino animal, sempre tão do agrado da criança, para alcançar o que nos parece inatingível, é desde logo uma mais-valia.  Outra, é a repetição em que baseia a sua estrutura, quer a nível do texto, quer da ilustração.
Uma história que atinge o seu ponto alto no momento em que o mais pequeno dos animais é elevado à condição de herói. 

Inatingível, fascinante e misteriosa, é assim que Grejniec nos apresenta  a lua,  num primeiro momento da história. Instalada na sua morada habitual, a distância é bem vincada quando no inicio da narrativa se lê «Mas era tudo em vão, e nem o maior dos animais era capaz de tocá-la».
A componente de encantamento ressalta quando se percebe que a lua era observada todas as noites. O lado misterioso que sempre a acompanha está patente desde logo no título do livro e marca também o arranque da narrativa: «Há já muito tempo que os animais desejavam averiguar a que sabia a lua.»
Uma espécie de "jogo da apanhada" que se transforma num hino à solidariedade e à partilha. Uma das melhores formas que conhecemos de aproximar a criança dos livros.
Um livro que saberá sempre àquilo que cada um de nós mais gostar!




quinta-feira, 14 de março de 2013

O Veado Florido

António Torrado é o escritor português escolhido para candidato ao prémio  Hans Christian Andersen de 2014. Considerado o mais Anderseniano dos escritores portugueses para a infância, a importância e o peso da obra de Torrado no universo da literatura infantil são inquestionáveis. De entre a sua vasta obra, O Veado Florido é um dos livros da nossa Memória. 


Era uma vez  um senhor muito rico que coleccionava animais nunca vistos. Encerrava-os em jaulas doiradas  nos jardins do seu palácio, para que todos os que o visitavam abrissem a boca e ficassem sem fala, cheios de espanto.


Não era caso para menos, já que eram animais fantásticos, como crocodilos voadores, leões emplumados, cavalos azuis, borboletas gigantes, serpentes luminosas, girafas listadas, cisnes transparentes...


Um batalhão de criados, espalhado pelos quatro cantos do mundo, afadigava-se na procura de bichos esquisitos para ocuparem as jaulas doiradas que iam ficando vazias. É que apesar de bem tratados, os bichos nunca vistos morriam cedo.


Um desses criados descobriu,  uma vez,  numa floresta silenciosa, um  espantoso animal. Daqueles que só aparecem nos sonhos, mas não em todos. Era um veado florido. As longas e recortadas hastes que lhe ornavam a cabeça, tinham flores. Flores brancas. E o mais espantoso é que gostava muito de festas!


O veado foi levado para o palácio do senhor muito rico, mas pelo caminho as flores foram murchando. E nem mesmo quando chegou a Primavera, elas  floriram. Outros bichos morreram. E o senhor muito rico cansou-se.


O veado acabou enxotado pelo mesmo criado que o trouxera. Correu até à orla da floresta e as suas hastes voltaram a cobrir-se de folhas luzidias e de flores muito brancas.


O criado ainda gritou ao senhor para que viesse ver mas, quando este chegou, o veado já desaparecera. Apesar de muito rico, o senhor nunca conseguiu ver as hastes floridas do veado.


As ilustrações de Manuela Bacelar, a lembrar o desenho infantil, para além de certificarem a beleza da história são também uma homenagem à ilustradora da primeira edição do livro, Leonor Praça.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Histórias que me contaste tu


O Escaravelho Contador de Histórias nunca nos sai da memória. E as suas histórias, muito menos!


São muitas as vezes que, a propósito de nada, nos lembramos das histórias que nos contava o Manuel António Pina. Aquelas que lhe tinham sido contadas pelo Escaravelho que regressava sempre de Não-Se-Sabe-Onde.

 Porque tal como o contador, às vezes também não sabemos a história...

Porque a Extraordinária História Em Que Não Acontecia Nada é uma das nossas preferidas!

Porque adoramos Histórias que começam pelo fim, Histórias que se contam com a boca fechada, Histórias com os olhos fechados... e todas as outras deste livro de Manuel António Pina, ilustrado por João Botelho e editado pela Assírio & Alvim.

É um daqueles livros que abrimos muitas vezes. E tal como sucede na História que o Escaravelho Me Contou Que Lhe Contei Eu, escrita em 1999, no outro dia até reparámos que o pobre ministro das Finanças estava a falar na televisão e nem reparava, coitado, que tinha um cão a ladrar-lhe às pernas no meio do discurso : "Os tempos cão de vir..."